A nova minissérie "O Monstro de Florença", sucesso da Netflix, revive um dos capítulos mais sombrios da história italiana e termina sem entregar o que o público mais quer: um culpado! Mas há motivo para isso. O desfecho é menos sobre “quem matou” e mais sobre por que nunca conseguimos descobrir.
Com apenas quatro episódios, a produção dirigida por Stefano Sollima e escrita por Leonardo Fasoli (de "Suburra") parte de um caso real que aterrorizou a Toscana entre 1968 e 1985. Casais eram mortos em locais isolados, sempre com a mesma arma - uma pistola Beretta calibre 22 - e com sinais de mutilação. As vítimas: dezesseis jovens. O assassino: nunca identificado.
A série começa com o assassinato de Barbara Locci e seu amante em 1968, cometido por Stefano Mele, o primeiro elo da longa corrente de horror. O caso parecia resolvido, até que, anos depois, novos casais aparecem mortos da mesma forma.
Surge então Silvia Della Monica, promotora que decide reabrir os arquivos e encarar o labirinto que a polícia e a imprensa haviam criado. É ela quem liga os pontos entre crimes separados por décadas, descobrindo que a mesma arma esteve presente em todos.
Mas cada pista abre uma nova contradição! Cada suspeito preso é seguido por mais um assassinato. E a pergunta começa a ecoar: será que estamos procurando a pessoa certa?
Entre os principais nomes investigados estão Stefano Mele, Salvatore Vinci, Francesco e Giovanni Mele e Piero Mucciarini - uma teia de relações familiares e de violência masculina que mistura ciúme, poder e silêncios.
A minissérie mostra como cada um deles é acusado em algum momento, e todos acabam soltos quando o “monstro” volta a agir. Até que as atenções se voltam para Salvatore Vinci, o homem mais enigmático da trama.
Acusado de envenenar a própria esposa no passado e de abusar sexualmente de Barbara Locci, Vinci é finalmente preso em 1988. As provas, porém, são frágeis. Testemunhas se contradizem. O principal delator (o próprio Stefano Mele) muda sua versão mais uma vez, alegando lapsos de memória. Então, Vinci é absolvido e desaparece misteriosamente. E os crimes cessam logo em seguida. Coincidência ou confissão silenciosa?
No episódio final, Silvia revisita todos os arquivos, exausta. As fitas, os recortes de jornal, os depoimentos que se anulam. A verdade continua intocável. Em paralelo, um jovem policial abre novamente as pastas do caso e solta a frase que define o espírito da série: “E se estivermos procurando no lugar errado o tempo todo?”.
É a pista derradeira e também um aviso. "O Monstro de Florença" talvez nunca tenha sido uma única pessoa. Pode ter sido um grupo, uma rede, ou algo ainda mais perturbador: um reflexo coletivo de uma sociedade que naturalizou a violência contra mulheres.
O desfecho ambíguo de "O Monstro de Florença" não é descuido; é propósito. A série recusa o conforto da resposta fácil. Ela transforma o assassino em metáfora - o “monstro” é o medo, o machismo, a paranoia que corroeu a Itália dos anos 1970 e 1980.
Como explica o roteirista Guido Bruni à mídia internacional, o objetivo era “fazer o público sentir a mesma frustração dos italianos da época, viver sem saber”. Visualmente, o último capítulo traduz esse incômodo: ruas desertas, reflexos em espelhos, câmeras que nunca mostram completamente o rosto do assassino. É a incerteza em forma de imagem.
"O Monstro de Florença" termina como começou... cercado de perguntas. Mas o maior impacto está no que não é dito. A cada novo nome suspeito, a série revela um mesmo padrão: homens diferentes, o mesmo desprezo pelas mulheres. A mensagem é clara: o “monstro” pode não ter rosto porque ele sempre esteve por perto. No fim, o crime é apenas o pretexto. O verdadeiro mistério é a humanidade.
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